Denilson
Forato *
De tudo o que vemos nas pessoas, das notícias que
surgem na mídia, das informações compartilhadas em redes sociais, me vem uma
pergunta: vivemos uma inversão total de valores no Brasil?
Parece muito fácil
entender que os valores sociais estão invertidos em nossa sociedade, ou pelo
menos deturpados, mas será que realmente é assim?
O que é um valor? Podemos dizer, de um ponto de
vista ético, que os valores são os fundamentos da moral, das normas e
regras que prescrevem a conduta correta; são as qualidades e virtudes
aceitáveis, e por conseguinte, os defeitos e fraquezas não aceitáveis. Os
valores podem ser avaliados intrínseca ou extrinsecamente, e podem gerar juízos
de valor, ou seja, opiniões que estabelecem o que deve ser motivo de censura,
elogio ou recomendação.
O que podemos chamar de valoroso, aquilo que é
desejável, as qualidades que uma pessoa deveria possuir em nosso país? Essa
pergunta deveria ser a primeira a ser feita por pais, professores e governantes
no desejo de entender as relações sociais que se iniciam na infância e acabam
por determinar os valores e a postura ética dos indivíduos na vida adulta. Ser
bom, honesto, verdadeiro e íntegro parecem ser virtudes que não bastam para se
viver em nossa sociedade contemporânea, sempre em busca de algo mais, mais
rápido e sem muita intensidade.
A malandragem, a esperteza, o famoso "jeitinho
brasileiro", “lei de Gerson” e uma certa tendência a desrespeitar leis também
fazem parte de nossa escala de valores. Qualquer pessoa que agiu honestamente,
já ouviu de amigos próximos que era estúpida por agir assim, ou que deveria ter
agido de forma "esperta". O clássico exemplo da carteira encontrada,
recheada de dinheiro: a pessoa devolve e sempre vem amigos falando que se fosse
outro, teria ficado com o dinheiro.
Isso diz muito sobre a forma como o povo vê as
coisas ao seu redor, como as pessoas avaliam e formam juízos uns sobres
os outros. Parece seguro afirmar que para a maior parte do povo é válido
flexibilizar as regras, adiantar-se ao acreditar que será enganado, buscar uma
vantagem antes que outro o faça. Perceber isso é desanimador.
Ao mesmo tempo, qualquer pessoa concorda que isso é
errado ao ser questionada ou informada sobre isso. Ou são pessoas muito
ingênuas ou muito hipócritas, não sei ao certo. O que sabemos é que essa forma
de dar valor a qualidades questionáveis exerce um poderoso incentivo para que
essa maneira de viver eticamente se perpetue.
Então, ainda cabe o questionamento inicial: há uma
inversão de valores no nosso país? Creio que não. O que temos é uma mistura de
valores e uma falta de orientação ética que nos permita avaliar melhor as
escolhas e regras morais que guiam a sociedade. O Brasil é pródigo em
invenção, criatividade e flexibilidade. Nesses quesitos, que são nossa mais
forte característica como povo, somos superiores à maioria dos outros povos;
mas não sabemos orientar essas qualidades com valores éticos por estarem misturados
a defeitos pouco desejáveis em uma pessoa ética.
As notícias de corrupção que tanto
nos indignam, ou os assassinatos cruéis praticados por menores, os crimes
hediondos que nos fazem vociferar contra os responsáveis: são todas situações
que nos mostram essa mistura de valores, que nos dão a impressão de
vivermos em uma terra sem lei, sem ética, onde o bandido vence e o trabalhador
perde e é explorado. Mesmo assim, votamos errado, nos sujeitamos à alienação e
procuramos voluntariamente não mudar de vida e buscar o jeito mais fácil.
Enquanto for assim será muito difícil não se sentir
em um vazio ético, um país de impunidade e desrespeito às leis. Mas o que
fazemos para mudar? E se pode mudar? Sim. Sempre se pode mudar.
Podemos começar ensinando o certo às crianças.
Praticando o que ensinamos. Buscando evitar e combater a
corrupção quando ela se apresentar. Dando exemplos de civilidade e respeito às
outras pessoas. Questionando o que pode ser um valor. E o mais importante, tentando
sempre demonstrar à maior quantidade possível de pessoas esses questionamentos
acerca dos valores.
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Economista
e professor de políticas públicas-IBRAP