As festas de final de ano foram feitas para descanso e confraternização, mas acabaram virando motivo de transtornos, consumismo desenfreado e mais uma entre as muitas pressões do dia a dia
Natal e Ano Novo lembram
confraternização, paz, harmonia. Só que com o tempo, para muita gente,
viraram sinônimo de correria, desgaste e muito estresse. Preparativos
para as festas, compras de presentes em shoppings e ruas lotados,
dívidas e muito mais acabam por transformar uma das épocas mais
especiais do ano em uma das mais onerosas e cansativas.
E não é só isso. Muitas pessoas
sentem-se angustiadas e tristes, algumas vezes pela pressão externa dos
conhecidos e da mídia, que pregam aquelas famosas famílias de propaganda
de margarina em que tudo tem a obrigação de sair perfeito e todos se
amam indiscriminadamente. Quem vive sozinho, ao invés de pensar no
bonito significado da data ou de simplesmente descansar nos feriados,
acaba por se deprimir.
Não
há nada de errado em presentear, curtir os enfeites natalinos nas ruas e
shoppings, oferecer uma gostosa e benfeita ceia aos familiares e
amigos. Mas quando tudo isso parece obrigação, deixando o verdadeiro
sentido das festas em segundo plano (ou nem isso), a experiência pode
não ser das mais agradáveis. O nascimento de Jesus Cristo entre os
homens, a reunião familiar, o clima diferente que o próprio mês de
dezembro tem e outras coisas boas dão lugar a imensos congestionamentos
no trânsito, comércio lotado de gente e gastos às vezes desnecessários.
Mais amolação, como se durante o ano todo ela fosse pouca.
Em suma, onde está o Natal de verdade?
Como curtir as festas de fim de ano sem a carga de estresse que
colocaram nelas nos últimos tempos? Como não cair em depressão por não
pertencer a um “modelo” pré-estabelecido de festejos? dicas
bastante interessantes, como viver as festas conforme a sua realidade, e
não as de padrões batidos, ou até mesmo reinventá-las – o que, para
ela, é um exercício muito valioso para a mente e deve ser feito em
vários momentos da vida.
Cecília
explica que o final de ano tem forte significado simbólico para muita
gente, não sendo apenas uma mudança de números. “Algumas pessoas traçam
as chamadas ‘resoluções de ano novo’ na esperança de mudar algo
necessário em suas vidas. Por isso mesmo, o final de ano é uma época de
muita reflexão, de ‘balanço’ do que foi realizado ou não, uma época em
que aquela velha pergunta ‘quem sou eu?’ bate forte. Também há uma
inevitável comparação com o mesmo período do ano anterior, o que pode
causar contentamento para alguns e frustração para outros.”
A analogia do fim de ano a um “aniversário coletivo”, com os mesmos
anseios e preocupações que a data gera normalmente. “A virada do
calendário faz tocar um alarme que esteve silencioso o ano todo. Mostra
que o tempo está passando, e isso faz com que muita gente caia em
reflexões, o que não é necessariamente ruim, e nem precisa ser.”
“Você olha o calendário ao longo de todo o ano, mas não necessariamente o vê, não dá muita atenção. Os ponteiros das horas andam tão vagarosamente que parecem parados, assim como os dos minutos. Já o ponteiro dos segundos, você pelo menos vê se mexendo, e tem mais uma noção de que o tempo passa. É algo mais imediato, mas que também é esquecido rapidamente. O final do ano faz com que você perceba que aquele calendário que viu o ano todo está acabando, as decorações e propagandas de Natal começam a aparecer e tornam as ruas e casas diferentes. É como um soco no estômago! Você finalmente tem noção de que o tempo está passando, como não tinha antes. Você só sentiu isso por um motivo muito simples: parou para olhar.”
“Lente de aumento”
No âmbito familiar, os festejos de Natal
e Ano Novo às vezes são a única chance no ano de reunir toda a família.
“E os festejos têm um poder de ‘lente de aumento’ em relação aos
acontecimentos, tanto para o lado bom quanto para o ruim”,
Algumas famílias têm o seu primeiro Natal ou Réveillon sem um parente
que perderam recentemente, e aquele momento difícil parece ainda mais
difícil. Pessoas solitárias têm uma impressão de que a solidão aumentou.
“É mais ou menos como o Dia dos Namorados, que só é legal para quem
namora”. Fora isso, a especialista adverte sobre as pressões da mídia,
que parece ditar que todo mundo é obrigado a ser feliz, que as famílias
são perfeitas, o que nem sempre corresponde à realidade. “Mas uma
reflexão sobre essas coisas nessa época, que pode até ser sofrida,
também pode ser produtiva.”
Reinventar o Natal
Como
não se sentir obrigado ao “Natal modelo”? Até a ficção aborda o
fenômeno de forma lúdica, porém reflexiva. No filme “Um Natal Muito,
Muito Louco”, baseado no livro “Esquecendo o Natal”, de John Grisham, um
casal de meia idade aproveita a ausência da filha, que viaja pelo
exterior, para fugir de tudo que signifique o Natal padrão
norte-americano: filas, inverno, enfeites, gastos, trânsito difícil e
outras “obrigações”. Resolvem abandonar tudo isso e curtir um cruzeiro
marítimo a dois com muito sol. Só que a filha resolve passar o Natal com
os pais e os dois correm contra o tempo, em tom de comédia, para
preparar tudo de que fugiam, com um agravante: em cima da hora. Só para
perceberem que o sentido do Natal não era aquele amontoado de detalhes
aos quais se submetiam todos os anos.
A
clássica história do escritor Dr. Seuss (tido como um “Monteiro Lobato”
dos Estados Unidos para várias gerações), “Como o Grinch Roubou o
Natal”, mostra o monstrengo verde do título achando que vai acabar com a
festa de uma cidadezinha se roubar todos os presentes, enfeites e
ceias, até ele aprender que não consegue roubar o Natal de dentro das
pessoas, o que a própria população havia esquecido – menos uma simples
criança.
Outra
história mais recente, o filme “Surpresas do Amor” (que se tivesse um
título mais de acordo com a tradição literal seria muito mais feliz:
“Quatro Natais”), mostra um casal que também planejava uma viagem a
dois. Mas todos os voos são cancelados e eles têm que se desdobrar para
conseguir passar o Natal com os quatro casais formados por seus pais que
se separaram e se casaram pela segunda vez.
A arte imita a vida quando quer nos
fazer pensar sobre ela. Cecília tem uma colocação muito interessante
sobre o formato forçadamente “oficial” da festa natalina: que cada um
“reinvente” o seu Natal. “Se você pensar no seu final de ano de acordo
com as suas possibilidades, de acordo com o momento pelo qual sua vida
passa, ele será muito mais satisfatório. Se no momento o forte é você
com sua esposa ou marido, que mal há em passarem um gostoso Natal a dois
em casa ou em uma viagem? É melhor que ir a lugares aos quais você não
quer, só para agradar a família.” A especialista esclarece que o Natal
em família não é uma experiência negativa para a maioria das pessoas,
mas apenas que não é necessário um modelo preestabelecido.
E no “padrão” de Natal do capitalismo
existem os gastos. Será mesmo que é necessário se endividar por causa
das festas? “Sempre que você quer fazer algo de acordo com sua real
capacidade financeira, tem muita chance de dar certo. Ninguém deve ficar
se comparando a outra pessoa, se seu irmão comprou um presente melhor
para o filho dele e você deu algo simples para o seu, se a casa do
vizinho está mais enfeitada que a sua e outras coisas assim.” “O modo de uma pessoa lidar com o dinheiro mostra muito sobre como
ela lida com a realidade, sobre o seu jeito de ser em vários aspectos
de sua vida.”
Cada ano de um jeito
Cecília
também diz que nem todos os Natais precisam ser iguais. “Todo ano você
pode inventar um jeito diferente de passar o Natal. Um, com a família,
outro, só a dois ou viajando sozinho. No outro, em família de novo, mas
em um local diferente, sem ser necessariamente na casa de um parente.
Essa reinvenção faz muito bem para a saúde mental, com significados
atuais, de acordo com o momento pelo qual passamos.” Procede. Se cada
Natal for de um jeito, fica mais fácil de ser lembrado, terá algo de
especial, destacando-se dos outros. Questionar o padrão que empurram
para cima de nós é um exercício saudável, nesse caso.
O mesmo acontece com o Réveillon,
conforme a psicodramatista: “Muita gente costuma viajar, passar a festa
de Ano Novo em lugares diferentes. Se neste ano não deu para viajar,
quem disse que passar a virada em casa tem que ser ruim?” O mais
importante é estar “com quem você gosta de celebrar a vida”,
A família, por seu lado, também deve
entender se algum parente escolheu as festas de um jeito diferente do
tradicional. Se um casal viaja ao invés de se reunir com os pais dela ou
dele, todos têm de respeitar isso. As pressões sociais são grandes
nessa época, e não precisam ser. “Quando você percebe quantas
possibilidades você tem para fazer um Natal diferente, se espanta. Mas
sempre teve. Mesmo que isso entre em conflito com a cultura
estabelecida”,
.
Resgate
Não se prendendo a detalhes que pareciam
mais importantes do que eram, usando a imaginação, gastando só o que
puder (se puder), em família, sozinho, a dois e várias outras formas
podem fazer com que o Natal volte a ter o seu significado real: além da
festa para o aniversariante da data, uma época em que tudo fica mesmo
diferente e podemos tirar de nós o melhor. Fazer com que algumas
famílias ou pessoas tenham um Natal menos triste e limitado, mas com os
pés na realidade. Respeitar quem quer ficar em casa sozinho ou convidar
quem não quer isso. Curtir a família, se essa for a vontade de todos.
Vale curtir também os preparativos, que
não precisam ser obrigação e nem uma fonte a mais de estresse. Afinal, o
clima natalino não se resume somente ao 25 de dezembro. Há toda uma
preparação para o Natal que não precisa ser somente ligada a consumismo,
gente se acotovelando em lojas, rodoviárias e aeroportos, se
endividando e tendo que gastar mais no ano vindouro com terapia por
causa de algo que deveria fazer bem.
Sim, desfrutar de tudo o que o bom Natal
significa ao longo do último mês do ano, pois, como bem diz a sabedoria
popular, “o melhor da festa é esperar por ela”.