Superar os becos aparentemente sem saída é o que diferencia o empreendedor que sobrevive do que alinha rapidamente todas as justificativas para fechar o próprio negócio, muitas vezes na primeira dificuldade.
Por isso, sempre que posso, em palestras, treinamentos ou em coaching estratégico, resgato o poema “E agora, José?”, de Carlos Drummond de Andrade. Você encontra o poema na íntegra nos melhores sites e blogs da internet, basta uma pesquisa rápida. Ou pode manter ao alcance de sua mão, dentro de sua Bíblia, uma cópia do poema. Vale a pena.
A importância para o empreendedor ou para qualquer um de nós às voltas com as inconstâncias da vida e dos negócios é que Drummond confirma nos versos escritos em 1940 nossa têmpera de brasileiros que não desistem nunca.
E, 72 anos após a publicação dos versos, nós empreendedores brasileiros sabemos que é essencial saber arrancar leite de pedra e reorganizar toda nossa perspectiva até podermos ser descritos como empresários criativos.
Claro, depois de termos sobrevivido e consolidado nossa empresa. Não antes, quando muitas vezes enquanto estamos tentando colocar pedra sobre pedra de nosso negócio somos obrigados a abafar ou despistar nosso pânico.
Acompanhe comigo alguns trechos do poema de Drummond: “...Se você dormisse,/se você cansasse,/se você morresse...”. Mas José não dorme, não cansa, não morre. Ele é um duro, um forte e apenas segue. É como os sertanejos descritos por Euclides da Cunha em “Os Sertões”: “O sertanejo é, antes de tudo, um forte.”
É essa têmpera de brasileiro que, mesmo sem saída, não desiste. Sem deixar como opção a morte ou o cansaço, segue. Assim se criam os mitos que sustentam os empreendedores brasileiros.
Sem bancos, sem empréstimos, sem reservas. Continuam e avançam. Sem acesso a consultorias, improvisam e aprendem com os próprios erros, que muitas vezes exaurem o restinho de reservas e de energias.
Sem a chance de relaxar até mesmo quando acertam, empenham o nome, os bens dos familiares que ousam apoiar seus sonhos e seguem mais um dia, mais um mês, mais um ano, porque acreditam no próprio negócio.
E, como José de Drummond, apesar da vida insípida, da descrença generalizada, do escárnio continuado dos concorrentes, que como abutres os esperam cair para assumir a clientela, ainda mantêm o impulso de continuar seguindo. Mesmo sem saber para onde: “...Você marcha, José!/José, para onde?”
E basta você percorrer as ruas de sua cidade e verá lá, estampado o nome dos proprietários em cima das lojas, fábricas, oficinas, salões de beleza. São homens e mulheres que assumiram ser um José de Drummond. Brasileiros que não desistem nunca.
Fora do futuro
O pânico geralmente fecha nossas portas quando somos induzidos a medir o futuro com as réguas disponíveis hoje em nossas realidades atuais. Diante do atual faturamento, calculamos, não conseguiremos nos próximos meses fechar nossas contas. É hora, portanto, de fechar antes de sermos fechados, concluímos.
E nos organizamos para que a profecia anunciada pela contabilidade atual se concretize. Cortamos todos os gastos e demitimos o máximo possível de colaboradores. Em vez de investir, iniciamos o processo autofágico de apenas pagar as contas. Deixamos claro para nós mesmos e para nossos aliados que estamos saindo de cena.
Por isso, fechamos todos os olhares às potenciais oportunidades. “Não temos mais dinheiro para investir em novos nichos”, concluímos. E o destino, claro, se cumpre. E nos tornamos lenda. Depois de alguns meses ou anos de portas abertas.
Marchar
A não ser que sejamos como a imensa maioria dos empreendedores brasileiros e resgatemos “José de Drummond” lá do fundo de nossas almas. E serenamente avaliemos nosso potencial, nossa disposição e energia. E repetimos o mantra: “...Você marcha, José!/José, para onde?”
O para onde emergirá amanhã à tarde, ou na semana que vem, no mês que vem ou no próximo ano, porque insistiremos em manter a porta aberta, preparados para as novas oportunidades que chegarão.
Afinal, como brasileiros, sabemos que estamos em um país em construção continuada. Com milhões de novos consumidores ávidos por preços competitivos, desesperados por serem tratados com dignidade e respeito.
Por isso, em vez do pânico, vamos abraçar nossos colaboradores e contagiá-los com nossa fé. Fé em nós mesmos e no nosso empreendimento que é fruto de uma ação conjunta e participativa.
Vamos ouvir com atenção nossos empregados, fornecedores e os clientes que ainda nos procuram em busca de novos atendimentos, novos preços, produtos e serviços.
E, com certeza, sairemos com energia renovada e definiremos a nova profecia: vamos retomar o crescimento, abrir novos mercados, atender novos clientes. E mandar fazer uma bela placa e colocar no lugar mais visível de nossa empresa, com o nome que escolhemos para uma organização que agora chamaremos de nossa empresa.