sexta-feira, 30 de novembro de 2012

CORRUPÇÃO. Por quê o Brasil é tão vulnerável?




Existem coisas que são nada mais nada menos que o resultado de falhas estruturais.
Quaisquer medidas que não reparem a estrutura de uma organização ou sistema serão medidas paliativas.

Estamos assistindo nesse momento atos de corrupção cometidos por agentes públicos que não são do quadro de carreira, conforme a operação da policia federal que recebeu o nome de operação porto seguro.

Segundo informações da imprensa colhida junto à Policia Federal, foram dez agentes públicos indiciados. Os salários desses agentes vão de R$ 7,9 mil a R$ 26,1 mil, conforme folha de pagamento disponibilizado pelo Portal da Transparência da Controladoria Geral da União (CGU). Nota-se que os cargos são todos inerentes a funções que exige tomada de decisões. Faz sentido porque as ações criminosas contra a Administração Pública exigem no mínimo decisões, cujos responsáveis por tomá-las, em regra, são aqueles que ocupam ditos cargos “de confiança”.

Entre os indiciados se encontram: O Diretor de Hidrologia da Agência Nacional de Águas (ANA), Paulo Rodrigues Vieira, que tem a segunda maior remuneração bruta entre os indiciados: R$ 23,8 mil; o Procurador-Geral da Agência Nacional de Transportes Aquaviários – (ANTAQ), Glauco Alves Cardoso Moreira, que recebia, ainda de acordo com dados do Portal da Transparência, R$ 24,9 mil; o Diretor de Infraestrutura Aeroportuária da (ANAC),  Rubens Carlos Vieira, com salário de R$ 23,7 mil; a chefe do escritório da Presidência da República em São Paulo, Rosemary Nóvoa de Noronha,  com salário de  R$ 11,1 mil; a Assessora da Secretaria de Patrimônio da União, Evangelina de Almeida Pinho,  com remuneração de R$ 9,9 mil; o chefe de gabinete da ANTAQ, Ênio Dias Soares, com remuneração de R$ 9,2 mil; o Ouvidor da ANTAQ, Jailson Santos Soares,  com remuneração de R$ 9,2 mil; Esmeraldo Malheiros Santos, Consultor Jurídico do Ministério da Educação com remuneração de R$ 8,5 mil; e Márcio Alexandre Barbosa Lima, funcionário do Banco de Dados do Ministério da Educação com salário de R$ 7,9 mil.

Verificamos, portanto, que os indiciados são ocupantes de cargos de confiança, não integrantes do quadro de carreira. Todos esses cargos são ocupados por pessoas indicadas unicamente por critérios políticos.

O quê isto nos informa? Extraímos dessa triste experiência, mais uma entre tantas que já assistimos nesses mais de dez anos de governo do partido dos trabalhadores, a necessidade da sociedade se articular para exigir mudanças estruturais. Não temos a pretensão de concluir num artigo todas as medidas merecedoras de apreciação, mas apenas sinalizar inicialmente algumas considerações que podemos concebê-las como pontos centrais de falhas conceituais da estrutura da Administração Pública brasileira.

A principal medida é de natureza conceitual, que está no enfrentamento de uma cultura concebida e aceita como natural por especialistas e cientista e assimilada pela sociedade, inclusive por fortes grupos organizados da sociedade civil, quero dizer, tem-se concebido como verdade que não há outra maneira possível de fazer administração pública, senão o caminhar ou, pior, a ligação da administração pública com a política. Não podemos negar que a ligação da política com a Administração Pública é necessária, senão inevitável. O que não é necessário e razoavelmente evitável é o caminhar juntos da Administração Pública com a política.

De fato as ações políticas são feitas em todos os níveis da ação humana, inclusive entre as crianças quando fazem pirraça para adquirir o que desejam dos pais, com especial atenção às mamães por serem mais vulneráveis aos apelos delas. Essa atitude da criança demonstra a natureza política do ser humano, é inerente ao ser humano fazer política, é uma questão de endogenia.

Porém, precisamos distinguir o que podemos considerar medidas políticas, como meios para se atingir resultados nas ações gerenciais, acompanhadas da legalidade e moralidade do que é a politização da estrutura da Administração Pública.

O interesse público precisa para realizar muitas políticas públicas de pessoas que possuam, além da competência técnica, que sejam bem articuladas e relacionadas para a tomada de algumas decisões. Isto não quer dizer politização, muito menos ilegalidade ou imoralidade, mas pode significar em muitas ocasiões o que podemos chamar de fazer política.

As ações políticas estão presentes também nas melhores instituições privadas. Quando ocorre na iniciativa privada a politização de sua estrutura, da mesma forma vemos condutas que levam essas instituições ao fracasso. Nas muitas das vezes, a politização na iniciativa privada ocorre quando é baixo o nível de profissionalização da estrutura empresarial, em regra, isso acontece nas empresas com forte apelo familiar ou razões de natureza afetiva, descompromissada da natureza técnica. Esse dado comprova que tanto na iniciativa privada como na Administração Pública, qualquer outro critério de gerenciamento que não seja o da competência, da legalidade e da moralidade, coloca em risco o sucesso daquela administração.

O que quero dizer então? Que é possível fazer administração pública com a diminuição da politização de sua estrutura, entendendo esta como os principais cargos e funções responsáveis pela geração de resultados.

Como então podemos despolitizar a Administração Pública? Afastando a presença e ações de políticos da estrutura organizacional. A Administração Pública é um organismo que precisa e necessita de vocação para ações técnicas, porque ela opera com expectativas de eficiência, eficácia e efetividade nos resultados de suas ações que são aguardados pela sociedade. A sociedade, por outro lado, espera como expectativas de resultado do político a geração de normas para disciplinar os interesses sociais e a fiscalização dos atos daqueles que administram. Sendo assim, há perfeita incoerência não admitir o conflito entre as funções de um político com as funções de um executivo na Administração Pública.

Em outras palavras, o político é eleito para propor medidas disciplinadoras através de normas jurídicas, cuja finalidade precípua é propiciar a paz social através de regras de condutas entre os cidadãos e, também, para fiscalizar, na qualidade de representante do povo, a boa administração do dinheiro público. Logo, não pode o político estar entre aqueles que serão fiscalizados, simplesmente porque ele se não está fiscalizando, está inevitavelmente ligados aos seus pares que permanecem na função originária de fiscalização. Há, nesse caso, um conflito muito grande de interesses e inevitável confronto do principio de segregações de funções que é um principio eminentemente de controle.

Quando eu digo que é necessário afastar a presença do político da Administração Pública, significa dizer que o candidato eleito para ocupar uma cadeira no parlamento não pode ocupar cadeira no executivo. Admitir essa hipótese é, em primeiro lugar, admitir a traição dos eleitores que confiaram àquele candidato o seu voto para lhe dar um assento no parlamento, mediante as promessas feitas com base nas funções parlamentares.

O que estamos assistindo são acordos, chamados no mundo da política de coligação partidária, cujas bases são a negociação de cargos no executivo a serem distribuídos entre os partidos da coligação.

Quando um governo apresenta instintos menos democráticos, quero dizer, entende que precisa impor suas vontades nas suas ações, a pretexto de que precisa acelerar medidas com vistas a atender o interesse público, a coligação partidária não é suficiente e passa a formar o que passamos a conhecemos pelo nome de “governo de coalizão”.

Formado o chamado “governo de coalizão”, cujos personagens e atores aceitam tal coalizão pela promessa de cargos, aumenta-se a base do governo no parlamento, facilitando a aprovação de seus interesses e fatalmente comprometendo o maior dos bens de uma sociedade evoluída, que é a democracia, na medida em que todas as pretensões do governo serão aprovadas mediante o acordo firmado. Ocorre que tal facilidade de governabilidade tem um custo muito alto, em face do aumento dos compromissos a serem cumpridos. Esse fenômeno gera o aumento da máquina pública como única condição que o governo enxerga para saudar os compromissos assumidos durante a campanha eleitoral.

Percebe-se, portanto, que o primeiro compromisso do governante não é com suas promessas aos cidadãos e, sim, com aqueles que o apoiaram, daí o aumento de ministérios, secretarias, cargos de confiança e demais cargos de níveis inferiores para atender todos os interesses, incluindo a ausência de concursos públicos com o firme propósito de aumentar a máquina pública através da terceirização.

Nesse caso a terceiriza funciona como valores políticos mais baratos para servir os colaboradores dos níveis mais baixos. Inclui-se nesse mercado o uso de fundações, essas surgem como uma forma de justificativa de promover mais dedicação à pesquisa, visto que tais fundações, por lei, somente podem ser contratadas e incluídas na estrutura da Administração Pública para auxiliar a pesquisa científica, como por exemplo, as chamadas fundações de apoio às Universidades Públicas ou de outras Instituições que desenvolvem trabalhos de pesquisas.

Na prática, percebeu-se que tais fundações trazem para a Administração Pública toda sorte de terceirizados, consistindo tal prática em perfeito afrontamento à Constituição brasileira, cuja regra para o ingresso na Administração Pública é o concurso público. Essa prática também é vista como um capital político para oferecer àqueles que formaram o “governo de coalizão”, não só com a contratação de mão de obra, como também para oferecer como meta dos acordos partidários, a ocupação de funções de direção de tais fundações.

Podemos então ter uma noção do perigo que é a ligação da Administração Pública com a política. Entre outras consequências que essa prática em que se confunde política com administração traz, é o aumento irresponsável da despesa pública.

Em face dessa realidade não vejo alternativas como medida curativa para diminuir a vulnerabilidade do Brasil à corrupção, senão afastar qualquer possibilidade de participação de políticos seja ela simples ligação ou efetiva presença nas coisas da Administração Pública.

Como falei no início, trata-se de enfrentar um paradigma cultural com meios que sejam capazes de promover uma metanóia de mentalidades para deixar bem claro a definição de funções de um parlamentar e de um executivo público. Na medida em que a regra legal estabelecer que os candidatos a funções políticas, concebendo-se essas como àquelas próprias do parlamento, não poderão ser indicados para ocupar cargos em ministérios e secretarias, damos um início ao afastamento de políticos das coisas inerentes às funções de administração.

Essa medida isoladamente não é suficiente porque, sem dúvidas, a classe política passará a exigir a indicação de todos os cargos, colocando o governante refém das indicações transformando-o em mero cumpridor das indicações através da nomeação.

Assim, se vê necessário novo marco legal para proibir o preenchimento de qualquer cargo de direção, cujos atos são de natureza decisória, através dos chamados “cargos de confiança”. Atualmente esses cargos obedecem a critérios unicamente políticos, sem qualquer preocupação de natureza meritocrática, ou seja, quero dizer, são cargos preenchidos por pessoas com ligação íntima com parlamentares ou ex-parlamentares ou, ainda, ex-secretário, ex-ministro, ex-presidente ou qualquer outro ator político em atividade política, em regra em atuações partidárias.

Na experiência que venho recolhendo ao longo dos anos como consultor jurídico e professor me deparo, costumeiramente, com situações de irregularidades em processo de licitações decorrente decisões de agentes públicos ocupantes de funções de confiança, as mais berrantes e inimagináveis. Não raras vezes os Servidores do quadro de carreira estão mais preparados do que seu superior, ora ocupante de um cargo por indicação política.    

Fenômeno não menos interessante observar é que raramente ou quase nunca     se vê a nomeação para funções de confiança de um servidor de carreira. É no mínimo curioso o fato, merecedor de se constituir um problema a ser investigado em uma tese cientifica, mas provavelmente na área de Recursos Humanos, a razão de não se encontrar na administração Pública brasileira servidores públicos dos quadros de carreira que possam ser considerados de confiança da alta direção de uma Administração.

Esses servidores costumeiramente ocupam cargos comissionados que não se confunde com função de cofiança porque estas são atribuições que importam a direção com poderes para tomar decisões, ao passo que aqueles se constituem em funções as quais se atribuem uma gratificação pelo exercício de certa atividade além de suas atribuições normais do cargo, onde cargo é uma expressão própria daquele que integra o quadro efetivo da Administração Pública, cujo ingresso se deu por concurso público.

Ficou evidenciado no episódio conhecido como operação porto seguro da Policia Federal que a corrupção operava-se através de agentes públicos ocupante de funções de confiança, pessoas de intima ligação com os altos escalões do Governo Federal.  Podemos, entretanto, nos adiantar em afirmar que as funções de confiança não são atribuídas aos Servidores do quadro de carreira porque esses já se encontram na estrutura do sistema, não podendo se constituir em óbice ao uso da moeda política tal como se tem constituído as funções do confiança.

Outro aspecto lesivo ao interesse público com aparente dano ao erário decorrente da reiterada prática de indicação política para as chamada funções de confiança, é a falta de continuidade do ocupante daquela função de confiança que muda segundo os interesses e gosto da nova direção de uma Administração. É comum fazer investimento com recurso públicos, em capacitação desses agentes públicos, podendo encontrar inclusive agentes realizando altos estudos em renomadas instituições de ensino. Tão logo ocorre a substituição da Direção superior, esse agente desocupa a função de confiança e leva o conhecimento adquirido na Administração Pública para a iniciativa privada. Assim, ocorre sucessivamente nas administrações seguintes, formando ações sucessivas ao longo dos anos de danos e desperdícios de dinheiro público. Não é menos importante ressaltar que esses danos aparecem também na alternância que não permite a sustentabilidade de procedimentos e rotinas acompanhadas de inteligências adquiridas com a experiência próprias do serviço público.

Ainda como medida curativa ao combate à vulnerabilidade do Brasil à corrupção, podemos identificar um fato que não se tem noticiado, muito embora tenhamos a previsão no sistema jurídico brasileiro, que trata da responsabilização daquele que nomeou por indicação política um agente público que foi apanhado em corrupção ativa ou passiva.

A esse fenômeno jurídico damos o nome de dever “in elegendo”, ou seja, o dever que se atribui àquele que nomeou determinada pessoa para ocupar uma função pública sem preencher as qualidades necessárias pertinentes à capacidade técnica, moral e ética.  Então, mas uma vez, podemos nos adiantar em afirmar que em regra não vemos a responsabilização decorrente do dever “in elegendo” daquele que nomeou, obviamente porque sua nomeação foi em virtude de natureza política, logo, aquele que tem o dever de bem eleger apenas seguiu um pedido ao qual estava obrigado pelos compromissos assumidos por força da coalizão partidária. É como se fosse punir injustamente alguém por algo que ele não fez. Em outras palavras, teríamos que punir quem indicou e não quem nomeou, ocorre que quem indica não possui responsabilidades, mas sim quem tem o dever de nomear. Esse é mais um prejuízo que a participação da política nas coisas da Administração Pública traz.

Muitas outras situações presentes no sistema político brasileiro e nos atos de governança na Administração Pública brasileira merecem e precisam ser repensadas. Entretanto, nossas considerações aqui pretenderam iniciar um questionamento que entendemos ser a matriz da questão que resolvemos chamar de problemas estruturais na condução da Administração Pública. Pelos fatos recentes da política brasileira percebemos que o problema estrutural se encontra no desestruturado sistema jurídico, quanto à ausência de marco legal para tratar a relação promiscua, que se dá entre o exercício e a forma de se fazer administração pública com a política, onde se mistura e se confunde o papel e as funções dos Poderes da República.

Na atual conjuntura política, onde se tem misturado o interesse privado com interesse público, conduta mais evidenciada e notabilizada no governo atual, desde o inicio do governo do então ex-presidente Lula, acabou por resultar um outro fenômeno sócio jurídico como verdadeira anomalia sistêmica, que foi a presença marcante do Supremo Tribunal Federal que se viu obrigado a exercer em muitas ocasiões o papel do legislativo, em função de sua clara ausência no exercício do seu papel de legislar e criar marcos legal para disciplinar situações que vem surgindo em função da acelerada dinâmica de crescimento do Brasil. Tal fato se deu em virtude do conflito de papeis e da desmesurada participação e interesse do legislativo nos assuntos do Poder Executivo, abandonando seu papel para o qual o povo o constituiu através do voto, passando a se envolver em constantes briga, inclusive entre a própria base aliada do governo na disputa por cargos no Poder Executivo.


Essas razões comprovam a necessidade de se fazer cumpri o papel constitucional de cada poder, considerando que este é exercido pelo povo através de seus representantes.

Como medida efetiva e curativa, entendo que o início deve se dar basicamente entre outros que completariam e aperfeiçoaria o controle e o combate à corrupção brasileira, onde se inclui um novo marco legal penal para crimes contra a Administração Pública, e o tratamento das funções de confiança, onde essas passariam a ser ocupadas exclusivamente por servidores de carreira e a proibição de parlamentares ocuparem cargos no executivo. Essas proibições afetariam o conflito entre os interesses privados e partidários pela falta de instrumento para materializar tais interesses, privilegiando o interesse público promovendo a liberdade e autonomia do Executivo para indicar, criar e nomear agentes públicos comprometidos com a máquina pública, dentre aqueles que a integram e apresentem melhores qualificações, gerando maiores motivações de seus integrantes e valorizando a carreira pública, considerando que esta é a mola propulsora de serviços públicos com mais qualidade.
Denilson forato é  Master em Economia Forense, especialista em Planejamento e Gestão Pública - CEPAM-USP e Consultor.