terça-feira, 3 de junho de 2014

A ciência econômica e os juízos de valor


Embora haja muitas pessoas que condenam a ciência econômica por sua neutralidade em relação a julgamentos de valor, há também os que a condenam por sua suposta indulgência em relação aos mesmos.  Uns dizem que a economia deve necessariamente expressar juízos de valor e que, portanto, não é realmente uma ciência, uma vez que a ciência tem que ser indiferente a valores.  Outros sustentam que a verdadeira ciência econômica deve e pode ser imparcial e que só os maus economistas infringem esse postulado.

A confusão existente na discussão desses problemas é de natureza semântica e se deve à forma inadequada de muitos economistas empregarem certos termos.  Suponhamos que um economista investigue se uma medida pode produzir um resultado para cuja realização foi recomendada; e que chegue à conclusão de que não resultará em p, mas em g, um efeito que mesmo os que propõem a medida consideram indesejável. Se esse economista enunciar o resultado de sua investigação dizendo que é uma medida "má", não estará formulando um juízo de valor.  Estará apenas dizendo que, do ponto de vista dos que desejam atingir o resultado p, a medida é inadequada.

É nesse sentido que os economistas que defendem o livre comércio condenam o protecionismo.  Eles demonstram que a proteção, ao contrário do que pensam os seus adeptos, diminui, em vez de aumentar, a quantidade total de produtos e que, portanto, é indesejável do ponto de vista dos que preferem que a oferta de produtos seja a maior possível.  Os economistas criticam as políticas em função dos resultados que pretendem atingir.  Quando, por exemplo, um economista diz que uma política de salários mínimos é má, o que está dizendo é que os seus efeitos contrariam os propósitos dos que a recomendam.

É sob esse mesmo prisma que a praxeologia e a economia consideram o princípio fundamental da existência humana e da evolução social, qual seja, que a cooperação sob a divisão social do trabalho é um modo de ação mais eficiente do que o isolamento autárquico dos indivíduos.  A praxeologia e a economia não dizem que o homem deveria cooperar pacificamente no contexto da sociedade; dizem apenas que o homem deve agir dessa maneira se deseja atingir resultados que de outra forma não conseguiria.  A obediência às regras morais necessárias ao estabelecimento, à preservação e à intensificação da cooperação social não é considerada um sacrifício a uma entidade mítica qualquer, mas o recurso ao meio mais eficiente, como se fosse um preço a ser pago para receber em troca algo a que se dá mais valor.

Todos os dogmatismos e todas as escolas antiliberais uniram as suas forças para impedir que as doutrinas heteronômicas do intuicionismo e dos mandamentos revelados fossem substituídas por uma ética autônoma, racionalista e voluntarista. Todas elas condenam a filosofia utilitarista pela impiedosa austeridade de sua descrição e análise da natureza humana e das motivações últimas da ação humana. Apenas um ponto precisa ser mencionado, porque, de um lado, representa a essência da doutrina de todos os mistificadores contemporâneos e, de outro, oferece ao intelectual comum uma bem-vinda desculpa para não ter que se submeter à incômoda disciplina dos estudos econômicos.

Dizem esses críticos que a economia, no seu apriorismo racionalista, pressupõe que os homens visem unicamente, ou pelo menos primordialmente, ao bem-estar material. Mas, na realidade, os homens preferem os objetivos irracionais aos objetivos racionais. São guiados mais pela necessidade de atender a mitos e a ideais do que pelo desejo de ter um melhor padrão de vida.

Em resposta, o que a economia tem a dizer é o seguinte:
1. A economia não pressupõe, e nem considera um postulado, que os homens visem unicamente, ou pelo menos primordialmente, ao que é denominado de bem-estar material. A economia, enquanto ramo da ciência geral que estuda a ação humana, lida com a ação humana, isto é, com a ação propositada do homem no sentido de atingir os objetivos escolhidos, quaisquer que sejam esses objetivos. Aplicar aos fins escolhidos o conceito de racional ou irracional não faz sentido. Podemos qualificar de irracional o dado irredutível, isto é, aquelas coisas que o nosso pensamento não pode analisar e nem decompor em outros dados irredutíveis. Nesse sentido, todos os objetivos escolhidos pelo homem são, no fundo, irracionais. Não é mais nem menos racional desejar a riqueza como o fez Creso ou aspirar à pobreza como o faz um monge budista.

2. O que os críticos têm em mente ao empregar o termo objetivos racionais é o desejo de maior bem-estar material e de melhor padrão de vida.  Para saber se a sua afirmativa — de que os homens em geral e os nossos contemporâneos em particular estão mais interessados em mitos e sonhos do que em melhorar o seu padrão de vida — é ou não correta, basta verificar os fatos.  Não há necessidade de muita inteligência para saber a resposta certa, e não precisamos aprofundar a discussão.  Mesmo porque a economia nada tem a dizer a favor ou contra os mitos em geral; mantém a sua neutralidade em relação à doutrina sindical, à doutrina de expansão da oferta monetária, e a todas as outras doutrinas, na medida em que os seus partidários as considerem e as defendam como mitos. A economia só lida com essas doutrinas na medida em que sejam consideradas como um meio para atingir determinados fins. A economia não afirma que o sindicalismo trabalhista seja um mau mito; afirma apenas que é um meio inadequado para aumentar os salários dos que desejam ter salários maiores.  Compete a cada indivíduo decidir se prefere seguir o mito ou se prefere evitar as consequências inevitáveis que advirão de sua realização.
Nesse sentido, podemos dizer que a economia é apolítica ou não política, embora seja a base de todo tipo de ação política.  Podemos ainda dizer que a economia é perfeitamente neutra em relação a todos os julgamentos de valor, uma vez que ela se refere sempre aos meios e nunca à escolha dos objetivos últimos que o homem pretende atingir.

O conhecimento econômico e a ação humana

A liberdade de o homem escolher e agir sofre restrições de três tipos. Em primeiro lugar estão as leis físicas a cujas inexoráveis determinações o homem tem que se submeter se quiser permanecer vivo.  Em segundo lugar estão as características e aptidões congênitas de cada indivíduo e sua interrelação com o meio ambiente; tais circunstâncias, indubitavelmente, influenciam tanto a escolha dos fins e a dos meios, embora nosso conhecimento de como isso se processa seja bastante impreciso. Finalmente, existe a regularidade das relações de causa e efeito entre os meios utilizados e os fins alcançados; ou seja, as leis praxeológicas, que são distintas das leis físicas e fisiológicas.

A elucidação e o exame formal dessa terceira categoria de leis do universo é o objeto de estudo da praxeologia e do seu ramo mais bem desenvolvido até o momento, a economia.

O conhecimento acumulado pela ciência econômica é um elemento essencial da civilização humana; é a base sobre a qual se assentam o industrialismo moderno, bem como todas as conquistas morais, intelectuais, tecnológicas e terapêuticas dos últimos séculos.  Cabe aos homens decidirem se preferem usar adequadamente esse rico acervo de conhecimento que lhes foi legado ou se preferem deixá-lo de lado.  Mas, se não conseguirem usá-lo da melhor maneira possível ou se menosprezarem os seus ensinamentos e as suas advertências, não estarão invalidando a ciência econômica; estarão aniquilando a sociedade e a raça humana.